Por Jacques Finster

Não  vou falar aqui sobre a monumental participação de Peter Gabriel na obra do Gênesis, mas sim, no fato de ele talvez ser o mais influente artista na Música Pop da década de 1980 e não obter esse crédito. E o que é pior, ver seus ex-companheiros de banda se apropriarem dessas revoluções estéticas e receberem todo o crédito por isso.

Em seu terceiro álbum solo lançado no início de 1980, Gabriel abre o álbum com “Intruder”, uma faixa revolucionária onde a bateria é colocada à frente e seu timbre com compressões e reverbers diferenciados iriam influenciar muitos artistas, incluindo o Metal pois aquela bateria que abre o “Creatures of the Night’ do Kiss bem como “Where Eagles Dare” do Iron Maiden, não existiriam sem essa concepção. Phil Collins, que toca a faixa-em sua “Air Tonight” gravada no ano seguinte, foi totalmente inspirada em “Intruder”. O próprio engenheiro do disco afirmou que ele insistia para tirar o mesmo timbre do disco de Gabriel.

Você ouve o timbre em 3,15 minutos:

No ano de 1982, Gabriel continuava sua revolucionária busca em criar novas formas de composição e sonoridade fundindo timbres étnicos com novas tecnologias. Usando um novo Sampler-Fairlight, ele sampleava qualquer ruído e moldava novos sons, suas texturas timbrais, minimalismo e rupturas estéticas que chocavam os músicos, mas como eram muito herméticas, não chegavam ao grande público. Porém, seus ex-companheiros continuam sugando suas idéias. Em “Lay Your Hands On Me”, o músico apresenta levadas tribais com atmosferas lúdicas, timbres de baixo revolucionários, percussões inusitadas, texturas surrealistas, barulhos urbanos e naturais orquestrados como se essas formas de vida tentassem se expressar em estruturas linguísticas humanas. A arquitetura e artesanato sonoro é totalmente inovadora, construída sem referências existentes, um mundo totalmente novo, um lugar desconhecido. Novamente seus ex -colegas usurpam suas idéias e levam o crédito como mostra o vídeo de Mama. 

Aliás, se perceberem no vídeo de Mama, em 2,13 minutos, quando Collins faz seu “Rarra! RéRé!”, ele copia Gabriel em “Musical Box” em 10,35 minutos. “Mama” é de 1983, enquanto “Musical Box” é 1973. 

Pelo menos, em um especial para a BBC, os membros se reuniram e o egocêntrico e autoritário tecladista Tony Banks, co-líder da banda ao lado de Gabriel, admitiu que eles foram influenciados por ele. Tenho visto Phil Collins copiar figurinos, palcos, sonoridades de Gabriel por todos esses anos. Seria bom que as mídias tradicionais e o público, dessem uma boa revirada na carreira de Peter Gabriel para fazerem justiça com ele. 

As injustiças contra Gabriel eram de todas as espécies. Uma das mais absurdas eram as declarações de Tony Banks e Mike Rutherford, de que eles ficavam em uma sala compondo as músicas e Gabriel em outra, compondo as letras no disco “The Lamb lies Down on Broadway”(o último com Gabriel). Eu sempre achei isso esquisito pois as linhas melódicas da voz eram a cara dele. Nessas gravações feitas durante o processo de composição se vê ele bastante presente dando sugestões e fazendo as melodias. Muitas daquelas composições são dele, outras em parceria com Banks e todas com colaborações da banda nos arranjos.  

Outra informação ridícula, até mesmo propagada por fãs, era que ele apenas cantava. Essa composição a seguir-que abre o clássico “Selling England By The Pound” mostra ele ao piano compondo a canção. Steve Hackett já afirmou que a composição é dele, embora a banda se juntou e compôs várias partes instrumentais (note no ponto 01h:27).

A partir dos anos de 1980, uma imensa quantidade de artistas passaram a copiar seus conceitos composicionais, construções minimalistas, as texturas, timbres, as levadas tribais e se dando muito melhor que ele comercialmente.  

Aqui nessa canção do Tears For Fears, se vê todas as características de Gabriel, os timbres do Baixo, as texturas etéreas e levadas tribais. As construções de bateria e baixo as vezes me fazem pensar que era a sua banda.  A partir dos 37 segundos de música, a inspiração em “Mercy Street” é visível.  

Até no Brasil a coisa pegou vide esses dois sucessos abaixo:

Aqui algumas coisas que já escrevi até em jornais: “Fazer corais de ruídos, barulhos urbanos e naturais, orquestrados como se essas formas de vida tentassem se comunicar em estruturas linguísticas, ao mesmo tempo que pedimos emprestado seus corpos humanos e inanimados para expressarmos nosso universo. Simulações da flora, fauna, urbanidade… sons que cintilam, tremem e se desdobram em várias formas e texturas. Todas as suas influências estão ali, mas elas não coexistem, elas são fundidas alquimicamente gerando contextos para além de suas individualidades. Teclados, ora  submersos, ora encapsulados, corais etéreos, guitarras abrasivas, percussões subterrâneas, uma colisão de timbres milenares e novas tecnologias.”

Seus trabalhos que mais gosto são duas trilhas para cinema: “Birdy”, de Alan Parker e “Passion”, trilha do filme “A última Tentação de Cristo” de Martin Scorsese,  porém elas merecem uma resenha específica. As sonoridades e construções são de uma beleza, profundidade e inventividade incríveis. O artesanato de timbres, ambiências, texturas, climas, atmosferas é estonteante. Não são timbres “pré-setados”, são frutos de um imaginário próprio levado a tona pro processos criativos muito pessoais. 

Embora Peter Gabriel tenha recebido muitos prêmios e tenha sido citado por gigantes, fica claro que sua influência foi subestimada. As rádios praticamente ignoram sua obra, porém, executam massivamente seus copiadores. Eu aqui, estou fazendo minha parte. 

Sobre o autor:

Jacques Finster iniciou sua carreira musical aos três anos de idade, cantando na rádio no programa do saudoso Clésio Búrigo. Teve várias bandas, trabalhos solo, lecionou e produziu eventos culturais. Teve um programa de variedades na Net e foi colunista do jornal “A Tribuna”. 

Confira seu trabalho solo “My World” em youtube.com/@jacquesfinster6212